Cidadania Italiana



CIDADANIA ITALIANA



Acumulação de Nacionalidades


O brasileiro que, por naturalização voluntária, adquirisse outra nacionalidade, teria decretada a perda da nacionalidade brasileira - artigo 12, parágrafo 4, inciso II, da Constituição da República de l988. A partir da emenda constitucional de Revisão número 3, de 7.06.1994, está ressalvada a aquisição da nacionalidade estrangeira quando a respectiva lei reconhecê-la em caráter originário. Ou seja: o brasileiro que, pelo critério do "jus sanguinis", for considerado também italiano, poderá ser, simultaneamente, brasileiro e italiano.

A solução pátria foi extremamente sensata e adequada. Ao Brasil, país com dimensões continentais, interessa considerar brasileiros todos os que nasceram no seu solo. À Itália, país de emigração, é conveniente considerar italianos todos aqueles que possuírem sangue peninsular. A conciliação dos critérios do "jus solo" com o do "jus sanguinis" é a mais conveniente para resguardar os direitos dos "oriundi" que se sentem brasileiros, mas não podem recuar-se a atender ao chamado do sangue.


Todo brasileiro que atender aos requisitos estabelecidos pela lei italiana pode obter o reconhecimento de sua nacionalidade, sem que isso signifique a situação de naturalização voluntária, prevista como causa de perda da nacionalidade brasileira pelo preceito constitucional anterior. Hoje é possível e lícito a alguém ser brasileiro e italiano simultaneamente e, por consequência, possuir dois passaportes. O passaporte é documento que exterioriza a cidadania e sua utilização dúplice não constitui problema, nem irregularidade, conforme já afirmara o Ministro NELSON JOBIM, hoje integrado a Suprema Corte.



O mundo globalizado e desperto para a formação de blocos de interesse comum - Mercado Comum Europeu, Mercosul, Nafta, Alca e outros - não poderia mesmo continuar a nutrir concepções rígidas quanto à circulação de cidades pelas fronteiras. A própria soberania se relativizou, o planeta se tornou menor ante a facilidade das locomoções, o ser humano é hoje um cidadão do mundo e não faria sentido fazê-lo perder um estatuto pessoal se viesse a aceitar o reconhecimento de nacionalidade estrangeira.

Dia virá em que as fronteiras ainda constituirão mera reminiscência histórica, em que os vistos sejam desnecessários e em que as pessoas, frente à sua dignidade ínsita de seres humanos, poderão livremente adentrar e sair dos espaços territoriais, eliminadas quaisquer formalidades.


Enquanto isso não acontece, tenha-se presente a aceitação dos direitos e deveres resultantes de se portar nas veias sangue italiano já não constitui fator impeditivo a que o brasileiro continue a sê-lo e possa, igualmente, usufruir dos direitos de ambas as nacionalidades.

José Renato Nalini
Juiz Presidente do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo e Mestre em Direito Constitucional pela USP.
Extraído do site/página: http://www.ecco.com.br/cidadania/acumula.asp




Esclarecimentos
Milhares de descendentes de italianos (que, no Brasil, segundo estimativas, são mais de 20 milhões) têm procurado os consulados para requerer reconhecimento de sua condição de cidadãos italianos. Talvez muitos o façam sem saber exatamente o que isso significa, desconhecendo a legislação que lhes faculta esse direito. Algumas breves informações podem dar aos interessados uma idéia um pouco menos vaga sobre a questão.

Etimologicamente o termo cidadania deriva da expressão latina civitas-atis, mais tarde civitatis, e depois status civitatis, que os romanos usavam no seu ordenamento jurídico para evidenciar a condição do homem livre, diversa da do escravo; na sociedade romana nem todo mundo era cidadão, no sentido de possuir plena capacidade e plenos direitos na relação com o Estado. Havia o escravo, o peregrinus (estrangeiro), o incola (imigrante), e também o advena e o hospes, que se estabeleciam nas terras do cidadão, e todos eles não tinham os mesmos direitos deste último. O termo cidadania, retomado após a Revolução Francesa, foi objeto de regulamentação específica, adquirindo significado mais democrático, indicando a posição do sujeito frente ao ordenamento jurídico de um Estado de feições já mais modernas, se comparado ao dos romanos. Cidadania italiana, para nós, descendentes que a buscamos, seria um conceito ligado à aquisição, perda e reaquisição do status de cidadão italiano, da nacionalidade do país dos nossos antepassados, e de como isso é regulado pela respectiva legislação. Ser cidadão italiano não tem o sentido, pura e simplesmente, de se manter vínculo jurídico com o Estado italiano; mais que isso, representa um conjunto de valores afetivos traduzidos no desejo de se poder conservar vivas as relações com uma parte importante da nossa herança cultural, da nossa própria identidade; uma ligação espiritual e prática, enfim, com a velha (e querida) Bota.

Os diferentes países explicitam nas suas leis sobre a matéria os critérios para a atribuição da nacionalidade aos seus cidadãos. No caso da Itália (e de muitos outros países europeus) prevalece o do jus sanguinis (direito do sangue), pelo qual é italiano quem tem ascendência italiana, ou seja, quem é filho de pai ou mãe italianos. Assim, é considerado cidadão italiano (automaticamente, desde o nascimento) quem seja filho de italianos, não importando o fato de ter nascido em território italiano ou no exterior; de outro modo, não têm, automaticamente, nacionalidade italiana as pessoas que, embora nascidas na Itália, não sejam filhas de pai ou mãe italianos. A legislação brasileira, seguindo a tradição dos países das Américas, adota, ao contrário, o princípio do jus soli (direito do solo), sendo brasileiro quem nasce no território nacional, não importando se os pais são brasileiros ou estrangeiros. Mas a Itália também aplica o jus soli em casos excepcionais: o de pessoas nascidas no território italiano que não sejam filhas nem de pai e nem de mãe italianos e que não possam seguir a nacionalidade de qualquer um dos genitores, em virtude das leis dos respectivos países, o que faria com que se tornassem apátridas (sem nacionalidade). E também o Brasil adota o do jus sanguinis para casos de filhos de brasileiros que tenham nascido no exterior, para que, apesar disso, possam ser cidadãos brasileiros. É, portanto, devido ao princípio do direito de sangue adotado pela legislação italiana que nós, oriundi (descendentes), somos cidadãos italianos desde o nascimento. Quando procuramos os consulados não estamos solicitando a nacionalidade italiana, mas apenas pedindo o reconhecimento dessa condição, que já existe desde que nascemos, como se disse. E mesmo que sejamos bisnetos, trinetos, somos legalmente italianos porque, em decorrência da automaticidade do princípio, os nossos avós e pais sempre o foram, mesmo se nascidos no Brasil (embora nem sempre tivessem consciência disso) e, juridicamente falando, somos sempre filhos de cidadãos italianos (ainda que, na prática, pertençamos já à terceira ou quarta geração de descendentes). A transmissão automática da cidadania entre as gerações dos descendentes dos imigrantes não se interrompe, salvo na hipótese de algum de nossos antepassados ter feito renúncia expressa da nacionalidade italiana ou na de naturalização requerida antes de os filhos terem nascido, na época em que as normas jurídicas italianas determinavam a perda da nacionalidade para tais casos (hoje em dia, com a nova lei, isso já não acontece; os italianos que se naturalizam conservam a própria nacionalidade, acumulando-a com a adquirida no país onde vivem).

A legislação italiana sobre o assunto se baseava, até há pouco tempo, na lei n° 555, de 1912, que previa a atribuição da cidadania somente para os filhos de italianos do sexo masculino. Esta norma foi alterada em alguns dos seus artigos por leis posteriores (em 1983, 1986) e finalmente revogada e substituída pela atualmente em vigor. Com as mudanças sociais e a natural evolução dos costumes, esses conceitos tiveram de ser revistos. A atual Constituição italiana não admite discriminação entre os sexos; o Código Civil e o direito de família daquele país sofreram alterações nesse sentido. Em 1983, a Corte Costituzionale, que na Itália controla a constitucionalidade das leis, declarou ilegal a parte da lei n° 555 que negava às mulheres italianas a faculdade de transmitir a própria nacionalidade aos filhos; isso já bastava para resolver o problema, mas logo em seguida entrou em vigor uma lei alterando o artigo 1° daquela norma, dando às mulheres esse direito. A mencionada sentença decorreu de julgamento de recursos interpostos por italianas casadas com estrangeiros, que pleiteavam poder transmitir a própria cidadania aos descendentes. O Consiglio di Stato, órgão de consulta do governo italiano, em um parecer daquele mesmo ano, afirmou que esse direito, entretanto, só teria validade para os filhos de italianas que tivessem nascido a partir de 1° de janeiro de 1948, quando entrou em vigor a atual Constituição e, portanto, momento a partir da qual os direitos das mulheres italianas haviam se equiparado ao dos homens... Mais uma vez uma mulher (uma cidadã italiana residente no Canadá) abriu processo requerendo da Justiça o direito de fazer reconhecer a cidadania dos filhos nascidos antes daquela data. Perdeu nas primeiras instâncias, mas o recurso foi julgado pela Corte di Cassazione (tribunal italiano que corresponde ao nosso Supremo Tribunal Federal), que lhe deu provimento. Com isso, ela conseguiu o que queria, e há a expectativa de que esse direito, com criação de jurisprudência, possa ser estendido a todos aqueles que se encontram na mesma situação. Até o momento os consulados não receberam autorização do Ministério do Exterior italiano no sentido de poderem acolher processos de reconhecimento de cidadania de filhos de cidadãs italianas nascidos antes de 1° de janeiro de 1948, mas, espera-se, isso venha a ocorrer. Por enquanto, o único caminho é o que trilhou a senhora mencionada: abertura de processo judicial na Itália (o que pode ser dispendioso...).

Talvez essas pinceladas possam ter esclarecido, ainda que de maneira um pouco superficial, alguns aspectos do tema, que nesses últimos anos tem interessado bastante aos descendentes.

José Maurício Borin Bechara Saad
Extraído do site/página:
http://www.ecco.com.br/cidadania/cidadania.asp